Sunday, October 30, 2005

Ao vivo

Liga-se a TV. É impressionante como aquele quadrado fixo em minha sala faz-se inúmeros. Transforma-se diante de meus olhos no passar das horas, em qualquer “canal”. O seu “transformar-se” decerto (ou a priori) não é o mais inoportuno, o pior é o “transformar-me”...
Onde há informação há pessoas, todo discurso é construído para alguém, mesmo que esse alguém seja si mesmo. Mas esse não é o caso da televisão. Tudo o que é mostrado na TV é intencionalmente formulado ao alcance de certo objetivo, ninguém ali dialoga consigo mesmo, daí a importância do chamado telespectador. O tal escuta/lê/vê o que se é mostrado na comentada tela; continuadamente, não importando se há compreensão, intriga ou questionamento por parte dos sentidos tocados por já citadas informações. Mas tudo bem, pode-se mudar a freqüência ou, simplesmente, desligar o aparelho. Mas as perguntas continuam... Eu posso:
a)conformar-me com as hipóteses mostradas durante a transmissão da informação;
b) esquecer, pois não entendi nada mesmo;
c) esquecer, pois mesmo entendendo o que se passa não faz diferença;
d) tomar um antiácido, pois entendi tudo, discordo com quem formulou a informação, não tenho como rebater os argumentos e agora estou com azia;
e) nenhuma das anteriores.
Conformar-se e esquecer: não. Por quê? Olhe ao seu redor, pode ser até mesmo pra TV que você acabou de desligar; ligue-a novamente e olhe-a. O que vê? Pessoas. Sim, e são muitas. Apesar de não as conhecer posso me ver em cada uma delas, ou enxergar nelas outras a mim mais próximas.
Outra tarde vi o filho que não tenho assistindo a um programa de auditório às 13h da tarde. Me vi na mãe dessa criança. Mulheres semi-nuas encenavam sexo explícito em coreografias de músicas de brega e forró em um palco cercado de jovens (alguns/mas menores de 14 anos). Com tal contextualização, a aparição de um dos mamilos (ou ambos) que subitamente “pulava” do minúsculo traje utilizado pela bailarina durante a apresentação não foi o mais chocante. Depois disso, ao tornar-se por mim conhecida a gravidez de uma jovem com 12 ou 13 anos de idade, estaria agora, quem sabe, um argumento formulado que justificasse tal ocorrido?
Há noites tenho sido uma criança. Não aquela da situação acima descrita, outra. Uma menina que vê seus pais saírem ao trabalho, cheios de força, em busca da realização de seus tão elaborados sonhos. Eu não entendo o que eles fazem, mas me sinto segura porque confio neles. Talvez eu ainda não saiba - talvez apenas o tempo responda isso, sou tão pequena... - mas os meus pais não são de todo responsáveis pelo rumo de nossas vidas. Sei também que não os escolhi, mas indiferente a esse fato, continuaria a acreditar neles, pois eles são meus pais; não por eu ter nascido deles, não por eu ter características físicas deles, mas pela falta de estranhamento que sinto quando sou física ou psicologicamente remetida a eles, pelo confortante sentimento que nos envolve... Isso me deixa imensamente feliz.
Meu país tem problema, mas é meu país. Muita coisa está acontecendo, é inegável. Muitos lutaram e deram tudo, mais ainda- se deram- por esse país; acreditaram, sofreram, mudaram. E é justamente por essas pessoas (muitas delas ainda vivas), por outras tantas que carregam a força daquelas, por mim mesma, pelos meus que estão aqui e também por aqueles que, quem sabe, estão por vir, que eu afirmo: acredito.
Sim, estou com azia, palpitações, dores de cabeça... Mas nenhum paliativo me atenuará a atual angústia do diário encontrar de respostas manipuladas por indivíduos que parecem ser órfãos de pátria e mantêm todo o país como fantoches num show ao vivo televisionado. Não podemos simplesmente desligar a TV e é um despautério assistir a tudo sentado. Como a televisão nada me dizia resolvi escrever. Espero que algum leitor reconheça minha voz... Ou reconheça-se nela. E me dê uma resposta, ao menos me deixe ouvir também sua voz...

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